terça-feira, 8 de setembro de 2015

BRASIL MANDA PARA A CADEIA, INVENTOR DA CURA DO CÂNCER

CAUTELA

Ações na Justiça pedem acesso a remédio que curaria câncer

Oncologistas recomendam que sejam feitos mais testes; Anvisa diz que não foi contatada

PUBLICADO EM 02/09/15 - 03h00 REPRODUZIDO DE "O TEMPO, CIÊNCIA E SAÚDE - BH/MG
A cura para o câncer pode já ter sido descoberta. Ela se chama “fosfoetanolamina sintética” e foi desenvolvida por Gilberto Orivaldo Chierice, professor titular aposentado de química analítica da Universidade de São Paulo (USP), campus São Carlos. A substância existe no corpo humano, mas é feita sinteticamente em laboratório (leia quadro). Porém, esse remédio chega atualmente somente a cerca de 50 pacientes, devido a um imbróglio burocrático, que impede o registro da substância na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Quem recebe o composto só o tem por meio de liminares judiciais.
O corretor de imóveis Orlando José Souza Neves, 49, foi um dos que entraram na briga. Em 2014, ele foi diagnosticado com um câncer no fígado. Como ele usa um desfibrilador, a quimioterapia não conseguiria extirpar os três tumores.
“Comecei a procurar outros tratamentos, coisas naturais que pudessem me ajudar. Meu filho soube de um homem que fabricava a fosfoetanolamina em Santa Catarina. Eu fui atrás e comecei a tomar. Hoje, estou com só um tumor”, conta Neves. Seu tratamento, porém, foi interrompido em junho deste ano, com a prisão de Carlos Kennedy Witthoeft, que produzia a substância. “Procurei um advogado e entrei com uma liminar. Em duas semanas consegui voltar a receber as pílulas”, diz.
O comerciante Erivaldo Jesus Santos, 58, que foi diagnosticado com câncer no reto em 2012 e precisaria fazer uma cirurgia que o deixaria preso a uma bolsa coletora de fezes, também obteve uma liminar que lhe garantiu o direito ao tratamento. “Fui até a USP, conheci o professor Gilberto, apresentei o laudo médico e recebi o remédio. Mas em 2013 houve o corte da produção, e eu tive que entrar com a liminar”, conta.
Segundo o professor Chierice, há cerca de 1.150 pesquisas realizadas no mundo inteiro com a fosfoetanolamina sintética, e as suas próprias pesquisas indicariam que a substância pode, realmente, curar o câncer. “Começamos essa pesquisa na década de 1990 e já publicamos vários trabalhos em revistas científicas internacionais. Continuamos desenvolvendo esse trabalho junto com o Instituto Butantan, que tem as células cancerosas”, comenta o professor.
Chierice vem lutando para que o composto seja reconhecido, mas sem sucesso. “Procuramos a Anvisa umas quatro ou cinco vezes pedindo orientações de como proceder para o registro, mas o que eles nos sugeriram foi que cedêssemos a patente para o Instituto Butantan”, afirma ele.
FOTO: EDITORIA DE ARTE
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Instituições se esquivam

Procurada pela reportagem de O TEMPO, a Anvisa afirmou, em nota, que “não há qualquer pedido ou solicitação de anuência em pesquisa clínica para fosfoetanolamina junto à Anvisa. Também não há requerimento para avaliação de projetos contendo essa substância (...) para acesso a produtos em fase de pesquisa”. Já o Instituto de Química da Universidade de São Paulo, também procurado, não quis se pronunciar sobre os usos e os testes da fosfoetanolamina sintética.

Médicos apoiam mais testes

Desde a década de 90, quando a fosfoetanolamina começou a ser distribuída para pacientes em uma parceria entre o Instituto de Química da USP São Carlos e o Hospital Amaral de Carvalho, na cidade de Jaú, em São Paulo, a substância já representou esperança e até melhora para centenas – talvez milhares – de pacientes. Mesmo assim, ela ainda não conta com o apoio de médicos.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) declarou que “é a favor da realização de estudos científicos que comprovem os benefícios da fosfoetanolamina sintética. Sem o necessário registro da Anvisa, a sociedade não recomenda que os oncologistas clínicos prescrevam a droga”.

Na opinião de André Márcio Murad, professor de oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, o composto não poderia estar sendo colocado em cápsulas e distribuído para a população.

“Existe uma dose (da fosfoetanolamina) em que poderia haver atividade de morte celular, mas há outra dose em que ela atuaria como fator de crescimento do tumor”, alerta. E completa: “Já houve o boom da cartilagem de tubarão, da graviola, do cogumelo do sol. Mas, de cada mil substâncias que são testadas, uma acaba sendo benéfica. A probabilidade de dar errado é enorme. A única forma de saber os efeitos é realizando um estudo com centenas de pacientes” ressalta.

FOTO: UNESP/DIVULGAÇÃO
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Potencial.A vespa Polybia paulista, cujo veneno pode ser usado para produzirdroga contra câncer
Veneno de vespa é avaliado
São Paulo. O veneno de uma vespa brasileira, Polybia paulista, contém uma poderosa toxina que mata células de câncer, sem danificar células saudáveis. Agora, um grupo de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de Leeds, na Inglaterra, descobriu exatamente como a toxina, chamada MP1, consegue abrir buracos apenas nas células cancerosas, destruindo-as.

O estudo, publicado nesta terça na revista científica “Biophysical Journal”, poderá inspirar a criação de uma classe inédita de drogas contra o câncer, segundo os cientistas.

De acordo com um dos autores do estudo, Paul Beales, da universidade inglesa, a toxina MP1 não afeta as células normais, mas interage com lipídios – moléculas de gordura – que estão distribuídos de forma anômala apenas na superfície das células do câncer.

Ao entrar em contato com a membrana dessas células, a toxina abre buracos por onde escapam moléculas essenciais para seu funcionamento. “Terapias contra o câncer que atacam a composição de lipídios da membrana da célula seriam uma classe inteiramente nova de drogas antitumorais. Isso poderia ser útil para o desenvolvimento de novas terapias combinadas, nas quais múltiplas drogas são utilizadas para tratar um câncer atacando diferentes partes de suas células simultaneamente”, disse Beales.

Em estudos futuros, os cientistas planejam alterar a sequência de aminoácidos da MP1 para aprimorar sua seletividade e sua potência.