domingo, 11 de dezembro de 2011

ENTERRANDO SEUS MORTOS

Enterrando seus mortos


Ontem, depois de dezessete dias de tensão e angústia, acompanhando o sofrimento e a tristeza da família do meu amigo, colega e irmão Jânio Aparecido de Souza, conseguimos sepultar o corpo do seu filho Rafael Bento de 14 anos, estudante, evangélico das Assembleias de Deus, vitimado e morto barbaramente pelo tráfico de drogas, ou seja, por traficantes da região de Almirante Tamandaré, cidade metropolitana de Curitiba.

Tratava-se de um adolescente, ainda uma verdadeira criança, educado, prestimoso, atencioso e constantemente conviva da Igreja que se situa em frente à sua casa. Querido por todos, ajudava no transporte das compras, na reforma do templo, na pintura de suas paredes e não raro acompanhava o Pastor em suas diligências solidárias aos irmãos da congregação religiosa, onde, aliás, fazia parte também os seus pais.

Certo dia, seis meses atrás, o pai descobriu que o filho estava à fumar maconha, notas ruins na escola e outras ocorrências desagradáveis estavam a fazer parte do cotidiano do menino, e num ato desesperado o castigaram com uma sova, o que pareceu ter dado resultado. Souberam os pais, que o primo da mesma idade, era o aliciador e inclusive estava a trabalhar como “vaporzinho” do tráfico e Rafael fazia-lhe companhia.

Tudo parecia andar bem, quando no dia 23 de novembro pretérito passado, Rafael saiu por volta das nove horas para comprar uns óculos raibam e desapareceu para nunca mais voltar. Instalou-se o desespero na família e o Jânio que gozava o final das férias do seu trabalho, pôs-se em campo usando da experiência de detetive e Agente Voluntário do Inter Bureau, para diligenciar as buscas, agora, do seu próprio filho, após ter passado vários anos ajudando na localização de crianças desaparecidas, inclusive como meu assistente na Organização.

Usando dos procedimentos habituais do Inter Bureau, providenciou o boletim de ocorrência policial junto à Delegacia de Polícia Civil de Almirante Tamandaré e a confecção dos cartazes contendo os dados e foto do menino e, da matriz foi tirado inúmeras fotocópias – já que não se conseguiu uma gráfica sequer que se prestasse a doar a impressão dos mesmos, em seguida, tudo foi espalhado por todos os pontos de ônibus, colados em postes, muros e onde mais era possível fazê-los e divulgá-los.

Junto à URBS, foi pedida autorização para a inserção nos ônibus e a ela fornecida vários cartazes, todavia, nada fez e certamente alguém jogou tudo no cesto de lixo, porque não se viu um cartaz qualquer em ônibus ou nos terminais. Aliás, ao longo dos anos em que tenho trabalhado na investigação de crianças desaparecidas, pode perceber que o povo e principalmente as autoridades, são insensíveis a esse tipo de comoção.

Com o advento dessa maciça divulgação - inclusive pela TV Record - surgiram algumas pistas e imediatamente contatou-se a Delegacia de Almirante Tamandaré, informando a um dos policiais sobre a denúncia de que o menino teria sido visto numa favela da região, mas o “servidor” público alegou que estava sem combustível para diligenciar e o certo, é que em momento algum descolaram o rabo de seus assentos para saírem a procura do adolescente, como já é sabido, nunca fazem absolutamente nada para encontrar um desaparecido.

O fato, é que, no dia cinco deste mês uma denúncia dava conta de que havia um corpo jogado em um mato próximo e então, uma funerária de “plantão”, juntamente com os funcionários do IML e uma perita, recolheram os restos daquele corpo que foi prontamente identificado pelo pai, que reconheceu seus pertences, roupas, boné e os óculos Raibam, junto ao corpo, apesar do adiantado estado de putrefação.

Recomeça a via crucis do mano Jânio num vai e vem ao IML, desta vez, fazendo-se acompanhar pela esposa para formalizarem o reconhecimento oficial, a coleta de material para o exame de DNA e o trato com a funerária, posto que, dependeria ainda do juizado para liberar o corpo para o sepultamento, sem previsão e a incerteza de como seria o despacho do juiz.

Enquanto isso, a funerária queria deixar acertados seus honorários para preparar o corpo, a urna revestida em metal, funeral e sepultamento. Essa hora é mais um dos amargos momentos por que passam uma família, que não dispondo de recurso imediato, passa a ser chantageado pelos papas defuntos, e ai o desespero redobra.

Ora, pela graça do Grande Carpinteiro do Universo, seus bons primos se reuniram e se quotizaram de modo a atenderem essas necessidades, tranqüilizando o Jânio e sua família de que tudo estaria na justa forma e na perfeita medida. Restava agora, a liberação do corpo o que somente veio a ocorrer no dia nove, antes de ontem para ser velado até as onze horas de ontem na Igreja de sua comunidade. Foi um momento tenso, emocionante e muito triste. Os traficantes comemoravam mais quatro assassinatos de menores nesse dia pela região de Almirante Tamandaré.

É chegada a hora do féretro e a funerária sempre muito atenciosa, prepara o translado no seu pequeno furgão, todavia, cobra do Jânio, os honorários aventados, sem o que, não deixaria o local. Nesse momento, os Bons Primos fizeram valer o seu socorro e o corpo pode ser levado para o cemitério e lá, mais uma surpresa: “o corpo não poderia ser sepultado, sem antes ser efetuado o pagamento de meio salário mínimo!” Novamente, um dos Bons Primos de pronto socorreu aos pais desesperados e assim, pode ser finalmente sepultado o Rafael para que descanse para sempre, na paz que não teve nesta vida mundana, vil, bandida, eivada de tristezas e pesadelos, onde impera a incompetência, a frieza e a insensibilidade de governo para governo, longe da expectativa de uma pálida solução ou erradicação dos assassinos do tráfico que não estão nem aí, para uma polícia que não se dá o respeito.

Agora, vem a parte em que se cobra por justiça, através da ação da polícia. Aquela polícia que não tem combustível, que não tem viaturas, que não tem efetivo suficiente, que ganha pouco e que nada pode fazer. Aquela polícia, que em seus quadros também tem cúmplices dos traficantes, achacadores, mal educados, recalcados e perigosos. Aquela polícia, que é a escória da sociedade, mal paga, mal treinada, despreparada e toda fodida e que denigre os bons policiais que ainda resistem em sobreviver à todas as mazelas que imperam na Segurança Pública e que, felizmente, é a maioria e somente com ela que se pode contar. Todavia, muito pouco poderá fazer.

Enquanto isso, vergonhosamente nossas crianças e adolescentes estão cada dia mais e mais se perdendo no crime, se viciando e se tornando vítimas da morte que vem do tráfico, que vem do abandono do Estado e de suas incompetentes autoridades.

Em 21 de março de 1993 – dezenove anos passados:
Gazeta do Povo: “Walmir Battu adverte que o crescimento do narcotráfico no Brasil está chegando em níveis preocupantes e prevê que se continuar nesse ritmo, em breve as imagens de atentados à bomba que ocorrem na Colômbia, na guerra entre os traficantes, fará parte do quotidiano de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo ele, o número de viciados, traficantes, distribuidores de drogas e de pessoas envolvidas com o narcotráfico aumenta de 25% a 30% por cento todos os anos”.

Publicado também em meu livro “Desaparecimento, Drogas e Seqüestro – Como Prevenir e Enfrentar” – 2ª. Edição, Editora Ponto & Ponto.

5 comentários:

  1. Lamentável.
    Sinto muito , mas "Não" sei como definir a minha indignação e revolta diante de tudo isso.
    Até quando nossas famílias terão que passar por sofrimentos assim? Precisamos acima de tudo de Deus e depois de pessoas dispostas a lutar pela revisão das leis em nosso país , a meu ver iniciando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente olhando com rigor a permissividade que foi concedida ás crianças ditas "Jovens" de hoje. Tenho certeza absoluta de que chegarão a conclusão que a tão citada autonomia só é capaz de ser conquistada através da responsabilidade, ação impossibilitada de ser ensinada nas escolas de hoje.
    Enquanto não houver disposição de nossos governantes nas mudanças infelizmente fatos como esse continuarão sendo uma constante em nossa sociedade deteriorada.
    Que Deus abençoe e dê forças a essa família.Para nós..... Resta a oração e a entrega a Deus!

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  2. Até onde vamos chegar com essa violência das drogas?
    Seria impossível aos nossos representantes públicos Colocarem em lei a menoridade aos 10 anos?
    Ah! Os 10 anos de hoje são bem diferentes do meu inesquecível tempo de adolescente!
    Qtas famílias sofrendo, desesperadas por não saberem o que fazer! Vamos , então , admitir que as drogas sejam vendidas em qualquer farmácia. Quem sabe assim, seria possível acabarmos com os traficantes!

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  3. Poxa meu Bom Primo, é triste e terrível essa notícia... não tenho palavras para expressar conforto e revolta...
    Até a minha amada Curitiba está sob o clima e tensão de violência desnecessária... aí, um lugar que sempre foi modelo às demais cidades brasileiras...
    Por isso ainda defendo e reafirmo ser TOTALMENTE A FAVOR DA PENA DE MORTE!!!
    Sequestros, mesmo se não acompanhados de homicídios, deixam sequelas, traumas incuráveis... por isso, para sequestradores e bandidos violentos, devia haver extermínio imediato, teríamos mais lugares nas celas e mais respeito por parte dos bandidos...
    Meus sentimentos à família, não há nada que substitua ou amenize a dor que eles sentem...

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  4. Infelizmente , vivemos hoje numa sociedade onde tudo pode...... Os menores podem tudo, pois nossa lei é obsoleta e inoperante.Sustentamos bandidos nas prisões, assistimos todo tipo de malandragem na televisão, enfim compactuamos com as mais grosseiras noticias em todos os meios de comunição, e aqueles que não tem muita informação , ficam mister a tudo e a todos.Uma sociedade só muda quando se transforma a base, e estamos longe desse processo, pois o povo brasileiro ainda é analfabético politicamente.

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  5. MQI Walmir Battu,

    Revolta, sim, ver nossas crianças e jovens entregues à sanha de cruéis traficantes sob o olhar passivo de autoridades tão corruptas quanto eles. E a petralhada que aí está anda tentando legalizar as drogas justamente para tornar oficial o que, pela legislação pátria, ainda é crime e assim se safar de possíveis - embora hoje remotas - punições e aumentar seus recursos com o dinheiro podre dos esgotos do tráfico.
    Discordo do meu dileto Irmão Newton Pontes, que em seu post acima defende a pena de morte como solução para o avanço da reinante criminalidade: no Brasil dessa corrupção institucionalizada apenas e tão somente negro, pobre e ladrão de galinhas é que receberiam a pena capital... Os verdadeiros responsáveis por essas mazelas continuariam impunes (deputados, senadores, alguns "grandões" da Avenida Vieira Souto/RJ e outros mais espalhados pelo território nacional).
    Finalizando, peço a você transmitir à família enlutada meus sentimentos de profundo pesar.
    Com fraternos cumprimentos, o Irmão atento

    Antonio Neto
    (Rio Branco/AC)

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